Sara e Agar, duas
matriarcas, dois povos, duas descendências. A história delas é tão notável, que
serviu de alegoria para duas alianças entre Deus e o Seu povo, em Gálatas 4.
Quando falamos de antiga aliança e de nova aliança, há muita confusão e
inversão de valores.
De fato, a falta
entendimento da alegoria que envolve Sara e Agar, faz com que muitas pessoas
não compreendam bem o chamado de Cristãos e Judeus, e isso chegou a levar, em
um certo período da história da Igreja, ao surgimento da teologia da substituição.
Com vistas a
esclarecer a alegoria das duas matriarcas, proponho neste estudo bíblico que
façamos um apanhado profundo, desde o começo da história de Abraão e Sara,
da sua esterilidade, passando pela concepção de Ismael por Agar e a consequente
separação entre eles.
CONCEPÇÕES
MILAGROSAS
E o SENHOR visitou a
Sara, como tinha dito; e fez o SENHOR a Sara como tinha prometido.
Gênesis 21:1
Gênesis 21:1
A nossa história
começa em Gênesis 21, que conta como Deus visitou Sara e manteve a promessa que
Ele tinha feito a ela. Sara concebeu e deu a luz a Isaque, “ao tempo [מוֹעֵדmoed] determinado, que
Deus lhe tinha falado”. Gênesis 21:2
E ironicamente, as
quatro mulheres que ficaram conhecidas como matriarcas de Israel, eram
estéreis:
·
Sara – “E Sarai foi
estéril, não tinha filhos”. Gênesis 11:30;
·
Rebeca – “E Isaque
orou insistentemente ao Senhor por sua mulher, porquanto era
estéril” Gênesis 25:21;
·
Leia – “Vendo, pois,
o Senhor que Lia era desprezada, abriu a sua madre” Gênesis 29:31; e
·
Raquel – “porém
Raquel era estéril”. Gênesis 29:31.
Em todas as
histórias bíblicas de mulheres estéreis, o Eterno realiza milagres revertendo a
situação. Há uma mensagem espiritual por detrás desses nascimentos milagrosos,
que não dependeram da ação humana, mas da vontade de Deus, e que o Apóstolo
João parece querer dar voz:
Os quais não
nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de
Deus.
João 1:13
João 1:13
SARA AMAMENTA FILHOS
Além dos nascimentos
milagrosos, há uma mensagem igualmente importante na concepção e no nascimento
de Isaque. Apesar de Sara ter tido
apenas um filho, o texto diz que Sara amamentaria a filhos,
no plural.
Disse mais: Quem
diria a Abraão que Sara
daria de mamar a filhos? Pois lhe dei um filho na sua velhice.
Gênesis 21:7
Gênesis 21:7
Sara fala de amentar
filhos, sim, no plural, mas ela tinha somente um filho, somente Isaque. Por que razão o texto estaria no plural?
FILHOS ESPIRITUAIS
DE SARA
Na tradição Judaica
antiga (no Talmude), Sara representa a cidade santa de Jerusalém, e a
amamentação, o “leite materno” de Sara está representando uma nutrição
espiritual, que sai dela (Sara/Jerusalém), para alimentar não apenas o Isaque
físico, mas também aos filhos espirituais de Sara, conforme falou o Profeta
Isaías:
Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por
ela, vós todos os que a amais; enchei-vos por ela de alegria, todos os que por
ela pranteastes;
Para que mameis, e vos farteis dos peitos das suas consolações; para que
sugueis, e vos deleiteis
com a abundância da sua glória.
Porque assim diz o
Senhor: Eis que estenderei sobre ela a paz como um rio, e a glória dos gentios como um
ribeiro que transborda; então
mamareis, ao colo vos trarão, e sobre os joelhos vos afagarão.
Isaías 66:10-12
Isaías 66:10-12
Os Gentios/Cristãos
que se chamam pelo nome do Deus de Israel (Jesus), tem a sua fé
ligada à cidade de Jerusalém. Como o “leite materno” de Sara (símbolo da
Jerusalém celestial), que foi profetizado por ela mesma, que amamentaria a
filhos, no plural, com a fé (o leite simboliza o alimento espiritual. Paulo
também fez uso dessa alegoria).
ISMAEL E ISAQUE
E viu Sara que o
filho de Agar, a egípcia, o qual tinha dado a Abraão, zombava.
Gênesis 21:9
Gênesis 21:9
Quando Abraão e Sara
passam a dar uma maior atenção a Isaque, o filho de Abraão com Agar, Ismael,
zomba de seu meio irmão mais novo. E Sara exige que Abraão mande Agar e Ismael
embora.
E disse a Abraão:
Ponha fora esta serva e o seu filho; porque o filho desta serva não herdará com
Isaque, meu filho.
Gênesis 21:10
Gênesis 21:10
Isso deixou Abraão
profundamente perturbado. Não parecia a coisa certa a se fazer. E quem de nós
pensaria o contrário? A própria Torá/Pentateuco, proíbe deixar que o
primogênito da esposa preferida tomar os direitos do verdadeiro primogênito.
Mas inesperadamente,
Deus endorsou o plano de Sara, e disse a Abraão:
Porém Deus disse a
Abraão: Não te pareça mal aos teus olhos acerca do moço e acerca da tua serva;
em tudo o que Sara te diz, ouve a sua voz
Gênesis 21:12
Gênesis 21:12
E o Eterno assegurou
a Abraão que cuidaria de Ismael e que receberia também uma aliança e que faria
dele uma grande nação. Mas que a descendência de Abraão seria feita apenas pela
descendência de Isaque.
porque em Isaque
será chamada a tua descendência.
Gênesis 21:12
Gênesis 21:12
SARA E AGAR EM
GÁLATAS 4:2-31
Em Gálatas 4:21-31,
o Apóstolo Paulo reconta brevemente a história de Sara e Agar e seus filhos
Isaque e Ismael.
Paulo usa daquela
narrativa para ilustrar o seu argumento contra seus oponentes
teológicos que estavam encorajando/obrigando
os Cristãos a se submeterem à circuncisão e a se tornarem Judeus reconhecidos
pelas autoridades religiosas, do grupo dos Fariseus, sediados na Jerusalém do
tempo de Paulo.
No tempo dos
Apóstolos, Jerusalém estava dominada pela liderança dos Fariseus e dos
Saduceus. Os Fariseus, mesmo aqueles que haviam crido em Jesus como Messias,
acreditavam (de forma errada) e pregavam que os Gentios convertidos tinham que
obrigatoriamente ser circuncidados e tinham que se tornar Judeus.
Eles pregavam que se Jesus era Judeu,
então os que cressem Nele também tinham que se tornar Judeus. Paulo discordava
deles de forma veemente, e fortemente.
Paulo baseou Gálatas
4 sobre a suposição de que toda a história de Sara e Agar se referiam sobre os
direitos e as obrigações da circuncisão. Daqui por diante vamos entrar nos seus
argumentos para entender melhor esse tema tão polêmico, até hoje.
FILHOS DE ABRAÃO
Porque está escrito
que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre.
Gálatas 4:22
Gálatas 4:22
E Paulo, antes de
começar a sua midrash, a sua alegoria, faz uma
provocação:
Dizei-me, os que
quereis estar debaixo da lei, não ouvis vós a lei?
Gálatas 4:21
Gálatas 4:21
A expressão “debaixo da lei” significa uma pessoa que nasceu
legalmente, comprovadamente Judia. Ou seja, alguém que está “debaixo da lei” é alguém que é Judeu, pois os Judeus
estavam sob a autoridade da lei.
Quando Paulo diz, “os que quereis estar debaixo da lei“, ele se referia
aos Gentios/Cristãos que estavam planejando passar pela circuncisão e pelo
ritual de conversão ao Judaísmo, para se tornarem Judeus reconhecidos pelas
autoridades Judaicas de Jerusalém (os Fariseus).
Depois dessa breve
introdução, Paulo então procede com um resumo da história de Abraão, Sara e
Agar, e de Ismael e Isaque.
E a história dos
dois filhos de Abraão é relevante na explicação de Paulo, porque Ismael e
Isaque eram de fato filhos de Abraão. Quando um Gentio se torna um Judeu, ele
recebe uma adição ao seu sobrenome, que é “benei Avraham“,
“filho de Abraão”.
Se for uma mulher,
ela receberá o sobrenome “bat Avraham“, “filha
de Abraão”. Os Gálatas estavam tentando alcançar o status de “filhos de
Abraão”, por meio da circuncisão e da conversão ao Judaísmo Farisaico da época
de Paulo.
Então essa história
é realmente apropriada para ilustrar os dois tipos de filhos de Abraão.
A CARNE VERSUS A
PROMESSA
Todavia, o que era
da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa.
Gálatas 4:23
Gálatas 4:23
Aqui Paulo está
explicando que Ismael, filho da serva de Abraão, Agar, nasceu segundo “a
carne”, isto é, foi um filho natural, normal, físico, sem necessidade de
nenhuma intervenção da parte de Deus. O nascimento de Ismael foi segundo a
intervenção humana.
Já Isaque foi
diferente. Ele nasceu de uma promessa do Eterno. Sara era estéril, e
fisicamente incapaz de gerar um filho. O nascimento de Isaque não foi segundo a
“carne”. Por mais esforços que os humanos Sara e Abraão pudessem ter, sem Deus
Isaque não nasceria.
O nascimento de
Isaque foi um milagre, de acordo com a ação do Espírito de Deus, e de acordo
com a promessa feita por Deus.
AS DUAS ALIANÇAS
O que se entende por
alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando
filhos para a servidão, que é Agar.
Gálatas 4:24
Gálatas 4:24
Paulo explica que
Sara e Agar representam duas alianças. E é aqui que esse simbolismo se torna
interessante, e ao mesmo tempo é aqui que ocorrem algumas distorções nesse
tema.
Ocorre que a alegoria de Paulo não está
contrastando a Antiga Aliança (Antigo Testamento), com a Nova aliança (Novo
Testamento). Até porque para Paulo esse contraste não existia, pois ele via as
Escrituras como uma continuidade.
O contraste sendo feito aqui
em Gálatas 4, é entre a Antiga
Aliança (feita no monte Sinai), com
uma Aliança ainda mais antiga, que Deus tinha feito com Abraão.
E essa parábola das
duas matriarcas, Sara e Agar, ilustra o tema do argumento de Paulo entre as
duas Alianças, em Gálatas 3:16-18. Agar representa a Aliança do Sinai, enquanto
que Sara representa a Aliança com Abraão.
A Aliança de Deus
com Abraão é mais antiga do que a Aliança feita com Moisés no monte Sinai – que
foi feita 430 anos depois, e não tem o poder de substituir a primeira, a de
Abraão, assim como Agar não pode substituir Sara.
Sara é a primeira
esposa, é a primeira aliança. Agar veio depois, e ela não substitui Sara.
Ora, esta Agar é
Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é
escrava com seus filhos.
Gálatas 4:25
Gálatas 4:25
A Jerusalém que está
em discussão por Paulo é a Jerusalém dos líderes da religião, é a Jerusalém dos
Fariseus, que deveriam ter entendido a Torá e reconhecido o Messias Jesus Cristo. Mas
eles, mesmo com tanto “estudo”, se prenderam às tradições, e deram mais crédito
às tradições do que às Escrituras.
Os Fariseus
colocavam, e ainda hoje colocam a tradição de seus anciãos acima, com mais
autoridade do que o texto bíblico. Por isso eles permanecem escravos da
tradição. Eles são filhos de Abraão? Sim, são filhos segundo a carne, segundo a
descendência genética, assim como Ismael era.
Ismael também era
filho de Abraão, segundo a genética, sem a necessidade de nenhum milagre, sem a
necessidade da fé. E foi também circuncidado.
Nós também tratamos
um pouco desse assunto em estudos bíblicos anteriores, de que filhos na Bíblia
tem um sentido espiritual que vai além da descendência genética. Filhos,
biblicamente falando, são aqueles que praticam as mesmas obras de “seu pai”.
Por isso João Batista disse:
Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, e não comeceis a
dizer em vós mesmos: Temos Abraão por pai; porque eu vos digo que até destas pedras pode Deus suscitar
filhos a Abraão.
Lucas 3:8
Lucas 3:8
João está fazendo o
mesmo contraste de Paulo, entre filhos genéticos, naturais, e filhos da fé,
porém com palavras diferentes.
Voltando a Paulo em
Gálatas 4, ele está comparando os Gentios/Cristãos que queriam passar pela
circuncisão para se fazerem filhos de Abraão, com Ismael, porque não havia nada
de espiritual ou milagroso nessa conversão ao Judaísmo formal.
Eles estavam para se
tornarem filhos de Abraão, mas por meio natural e físico, por uma marca física
da circuncisão, que Paulo chama em outra passagem de “circuncisão da carne”, e
“circuncisão feita por mãos, de acordo com a carne”.
A conversão ao
Judaísmo formal faz com que uma pessoa seja feita legalmente,
governamentalmente (no caso do governo do país chamado Israel), reconhecido
como filho de Abraão, assim como Ismael também era um filho legítimo de Abraão.
Mas o status de
Ismael, mesmo sendo filho natural de Abraão, era de um escravo, pois ele era
filho de uma escrava. E Paulo está dizendo que um Gentio/Cristão que se põe
debaixo da autoridade dos Anciãos de Jerusalém, do Sinédrio, do conselho dos
Fariseus, toma para si o mesmo status.
Pois eram esses
“órgãos governamentais” que controlavam a lei Judaica na época de Paulo. E a lei Judaica da época não era o
Antigo Testamento, como o conhecemos.Os
Judeus tinham duas leis na época, e ainda as tem atualmente, onde a lei
escrita está subordinada a uma “lei
oral“, que é a lei dos
rabinos.
E o Judaísmo ensina
que os rabinos tem autoridade de dar a interpretação, de modificar e
acrescentar na lei Judaica, segundo as suas deliberações. Isso causou
distorções enormes no entendimento da Bíblia e levou com que eles não
reconhecessem o Messias Jesus, que denunciou esse fato.
Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós
ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.
Marcos 7:13
Marcos 7:13
As leis rabínicas
não eram leis dadas por Deus a Moisés, e ainda mais, elas distorciam a lei de
Deus. Veja, a lei de Deus já previa o enxerto dos Gentios em Abrão, conforme
mostramos no estudo bíblico, “a história de Abraão“,
sem precisar de circuncisão.
Também está na lei
de Deus um código de leis básicas que eram destinadas para os Gentios/Cristãos,
e que foram repetidas pelos Apóstolos em Atos 15, conforme o nosso estudo
bíblico, “as leis noéticas“.
E mostramos também que os Gentios/Cristãos tem um sacerdócio próprio que
é segundo a ordem de
Melquisedeque.
Não havia, portanto
nenhuma necessidade dos Gálatas quererem se colocar “debaixo da lei” dos
rabinos, pois os Cristãos já eram filhos de Abraão segundo a fé, segundo o
milagre, não pela carne, não pelos meios naturais, mas pelos meios espirituais.
FILHOS DA PROMESSA
Mas nós, irmãos,
somos filhos da promessa como Isaque.
Gálatas 4:28
Gálatas 4:28
A concepção dos
Gentios/Cristãos como filhos de Abraão é semelhante ao de Sara com Isaque, é
uma concepção milagrosa, que vem do Espírito de Deus, quando andamos na mesma
fé de Abraão. Nós fomos enxertados por meio de Jesus Cristo.
O Gênesis ainda
relata que Abraão teve outros filhos, com Quetura, a sua segunda esposa após a
morte de Sara.
E Abraão tomou outra
mulher; e o seu nome era Quetura
Gênesis 25:1
Gênesis 25:1
Os filhos de Abraão
com Quetura deram origem a tribo dos Midianitas, da qual Moisés tomou sua
esposa. Mas eles também não herdaram a descendência de Abraão, da forma como
Isaque herdou.
Isso indica mais uma
vez que não são todos os filhos naturais de
Abraão que são qualificados para a herança espiritual dele, mas somente aquele que é filho da
promessa. É isso que Paulo tenta explicar na sua carta aos Romanos.
Não que a palavra de
Deus haja faltado, porque nem
todos os que são de Israel são israelitas;
Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.
Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.
Isto é, não são os filhos da carne que são
filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como
descendência.
Romanos 9:6-8
Romanos 9:6-8
Com vimos, essa
alegoria de Paulo em Gálatas, não é sobre o Antigo Testamento versus Novo
Testamento. Cada qual tem o seu chamado. O Judeu tem o seu chamado, e o
Gentio/Cristão tem o seu. Não são antagônicos.
Paulo não está
colocando Judeus contra Cristãos, nem dizendo que um é melhor que o outro. Em
Cristo somos feitos um só povo. Cada qual com o seu chamado, e se deve
permanecer da forma como foi chamado.
Sobre o autor Israel Silva Formado em Hebraico Bíblico, Geografia Bíblica, Novo Testamento, e Estudos do Apocalipse; é Especialista em Estudos da Bíblia, certificado pelo Institute of Biblical Studies da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Comentários
Postar um comentário
Obrigado por entrar em contato em breve retornaremos
Para maior agilidade no atendimento ligue ou envie mensagem
(19) 9 8184 7705
(11)9 7231 2521